miércoles, 17 de octubre de 2018

martes, 10 de julio de 2018

Adélia Prado

UM SILÊNCIO
Ela descalçou os chinelos
e os arrumou juntinhos
antes de pôr a cabeça nos trilhos
em cima do pontilhão,
debaixo do qual passava um veio d’água
que as lavadeiras amavam.
O barulho do baque com o barulho do trem.
Foi só quando a água principiou a tingir
a roupa branca que dona Dica enxaguava
que ela deu o alarme
da coisa horrível caída perto de si.
Eu cheguei mais tarde e assim vi para sempre:
a cabeleira preta,
um rosto delicado,
do pescoço a água nascendo ainda alaranjada,
os olhos belamente fechados.
O cantor das multidões cantava no rádio:
“Aço frio de um punhal foi teu adeus pra mim”.
– Adélia Prado, do livro “O coração disparado”. Rio de Janeiro: Editora Record, 2013.




DIA
As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
- ia dizer imoral -
as barbelas e as cristas envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.

- Adélia Prado

martes, 3 de abril de 2018

martes, 16 de enero de 2018

Ana Elisa Ribeiro

DA ESCRITORA
Já a metade
da minha vida
passei nesta lida
com letras,
papel, projeto,
poemas, falida.
Já a metade,
conforme contei
outro dia.
E prestes já
a contar
mais da metade,
em breve,
estimando,
quem sabe,
que, ao cabo,
pareça
ter sido
leve.



CIUMINHO BÁSICO
escuta
calado
a proposta rude
deste meu
ciúme:
vou cercar tua boca
com arame farpado
pôr cerca elétrica
ao redor dos braços
na envergadura
pra bloquear o abraço
vou serrar teus sorrisos
deixar apenas os sisos
esculhambar com teus olhos
furá-los com farpas
queimar os cabelos
no pau acendo uma tocha
que se apague apenas
ao sinal da minha xota
finco no cu uma placa
"não há vagas, vagabundas"
na bunda ponho uma cerca
proíbo os arrepios
exceto os de medo
e marco no lombo, a brasa,
a impressão única do meu dedo.