O Tempo e o Vento - resumo e análise da obra de Erico Verissimo
Composta de três romances – O Continente, O Retrato e O Arquipélago –, a obra traz acontecimentos e histórias de dimensões épicas, que narram 200 anos do processo de formação do estado do Rio Grande do Sul.
Se uma das características da epopéia é narrar a história de um povo, a obra O Tempo e o Vento, escrita por Erico Verissimo, certamente possui esse traço épico. Ela foi publicada em três romances: O Continente, O Retrato e O Arquipélago – os dois primeiros possuem dois volumes, enquanto o terceiro foi dividido em três. A trilogia narra o processo de formação do estado do Rio Grande do Sul, misturando ao elemento ficcional, preponderante em toda a obra, dados e personalidades históricos. Os romances acabam por recriar 200 anos da história gaúcha, de 1745 a 1945, tempos marcados pelo poder das oligarquias, por guerras internas e guerras de fronteira.
O espaço em que a narrativa se desenvolve é a cidade fictícia de Santa Fé. O Tempo e o Vento faz parte da segunda fase modernista, a fase regionalista. Entre os escritores desse período, Erico Verissimo destaca-se por ser um dos poucos que retrataram a Região Sul do país em sua obra. Quando se fala em regionalismo, normalmente se associam nomes como Jorge Amado, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, escritores que criaram suas narrativas com base no modo de vida e no sofrimento dos nordestinos.
NARRADOR
O foco narrativo está – com poucas exceções, como a do capítulo “Do Diário de Silvia” – em terceira pessoa. O narrador manifesta-se discretamente no decorrer da obra, lançando sobre as ações e os sentimentos dos personagens um olhar arguto e bastante mordaz.
UM CERTO CAPITÃO RODRIGO
Alguns capítulos dos três romances merecem destaque, seja pelo apuro estilístico do autor, seja pela temática desenvolvida. “Um Certo Capitão Rodrigo”, presente na primeira parte da trilogia, O Continente, merece essa atenção especial. O capítulo tem o mérito de retratar, ou recriar, a imagem do homem gaúcho forte, bravo, destemido, na figura do personagem principal: capitão Rodrigo Cambará.
A cena da chegada do capitão Rodrigo à cidade de Santa Fé já é suficiente para passar essa idéia do homem gaúcho, tanto pelas vestimentas como pela personalidade:
“Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava um alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal.
Tinha um violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao sol daquela tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao pescoço esvoaçava no ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas, batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido:
– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!
– Pois dê”
A descrição do valente e imponente capitão entrando no pacato vilarejo, seguida do desaforado cumprimento da chegada, antecipa o incômodo que essa figura produzirá em tal espaço. O dono da resposta curta e grossa que aceita o confronto, porém, não se tornará seu antagonista na história. Será seu futuro cunhado, Juvenal Terra.
A importância desse capítulo está no fato de que – além de apresentar a figura típica do gaúcho encarnada pelo capitão Rodrigo – mostra a união dos dois grandes sobrenomes que marcarão, na obra, a formação do estado do Rio Grande do Sul: os Terras e os Cambarás.
Apaixonando-se perdidamente por Bibiana Terra, o capitão a conquista após minar sua resistência e a de sua família, além de ter vencido em um duelo o pretendente rico de Bibiana: Bento Amaral, filho do coronel Ricardo Amaral. Essa união representa, estruturalmente, o eixo das duas famílias que irão protagonizar toda a trilogia.
O carisma de Rodrigo Cambará acaba por conquistar, de fato, não apenas Bibiana Terra, mas vários moradores de Santa Fé, como o padre Lara e Juvenal Terra, com quem monta um negócio. A figura do capitão, no entanto, distancia-se em todos os momentos do perfil do bom moço. Mesmo depois de casado com Bibiana, Rodrigo Cambará mantém o gosto pelo carteado, pela bebida e, principalmente, por outras mulheres.
O antagonista de Rodrigo Cambará é Bento Amaral, com o qual trava uma luta atrás do muro do cemitério, após um desentendimento em uma festa de casamento. Nesse confronto, o filho do coronel, desonrando a batalha, utiliza uma arma de fogo contra o capitão.
Antes de dar o tiro à traição, Amaral quase recebe a marca do capitão Rodrigo: um “R” na testa. Surpreendido pelo disparo, no entanto, o capitão só tem a possibilidade de talhar um “P”. Falta-lhe tempo para completar a letra “R”. A cena final desse capítulo é a invasão do casarão da família Amaral. Nesse episódio, morre o capitão Rodrigo Cambará, deixando órfão o filho Bolívar:
“O tiroteio começou. A princípio ralo, depois mais cerrado. O padre olhava para seu velho relógio: uma da madrugada. Apagou a vela e ficou escutando. Havia momentos de trégua, depois de novo recomeçavam os tiros.
E assim o combate continuou madrugada adentro. Finalmente se fez um longo silêncio. As pálpebras do padre caíram e ele ficou num estado de madorna, que foi mais uma escura agonia do que repouso e esquecimento. O dia raiava quando lhe vieram bater à porta. Foi abrir. Era um oficial dos farrapos cuja barba negra contrastava com a palidez esverdinhada do rosto. Tinha os olhos no fundo e foi com a voz cansada que ele disse:
– Padre, tomamos o casarão.
Mas mataram o capitão Rodrigo – acrescentou, chorando como uma criança.
– Mataram?
O vigário sentiu como que um soco em pleno peito e uma súbita vertigem. Ficou olhando para aquele homem que nunca vira e que agora ali estava, à luz da madrugada, a fitá-lo como se esperasse dele, sacerdote, um milagre que fizesse ressuscitar Rodrigo.
– Tomamos o casarão de assalto. O capitão foi dos primeiros a pular a janela. – Calou-se, como se lhe faltasse fôlego.
– Uma bala no peito...”
O ESPAÇO DE SANTA FÉ
Em “Um Certo Capitão Rodrigo”, o espaço marca de forma muito evidente uma rígida separação, de acordo com a classe social dos personagens.
O espaço nessa narrativa funciona como índice social, que divide os personagens do capítulo. O casarão representa o poder local, enquanto a venda do Nicolau e o terreiro da casa de Joca Rodrigues, entre outros pontos, representam o espaço das classes mais pobres.
Essa repartição fica clara quando se nota que os dois confrontos da narrativa – o primeiro entre Bento Amaral e Rodrigo Cambará; o segundo, na tomada do casarão – se desenvolvem com a invasão, indevida, desses espaços.
No confronto entre Rodrigo e Amaral, este último estava em um ambiente popular, o que era impróprio, segundo os valores vigentes. Esse fato favoreceu o encontro com seu oponente. Já a invasão ao casarão da família Amaral acabou por representar o conflito final.
CONCLUSÃO
A trilogia O Tempo e o Vento é a grande obra de Erico Verissimo e uma das mais importantes da segunda fase modernista.
Em relação a seu momento histórico, tem o diferencial de tratar de temas sobre o sul do país, divulgando costumes e tradições de uma região até então abandonada pelos enredos dos escritores regionalistas mais conhecidos, que, em sua imensa maioria, construíram narrativas sobre a Região Nordeste.
Texto retirado do site: http://guiadoestudante.abril.com.br/estude/literatura/materia_419203.shtml
2 comentarios:
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Ok Érik,
bjs
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