jueves, 3 de septiembre de 2015

Maria Rezende

PAU MOLE

Adoro pau mole.
Assim mesmo.
Não bebo mate
não gosto de água de coco
não ando de bicicleta
não vi ET
e a-d-o-r-o pau mole.

Adoro pau mole
pelo que ele expõe de vulnerável e pelo que encerra de possibilidade.

Adoro pau mole
porque tocar um pressupõe a existência de uma intimidade e uma liberdade
que eu prezo e quero, sempre.

Porque ele é ícone do pós-sexo
(que é intrínseca e automaticamente
- ainda que talvez um pouco antecipadamente)
sempre um pré-sexo também.

Um pau mole é uma promessa de felicidade sussurrada baixinho ao pé do ouvido.

É dentro dele,
em toda a sua moleza sacudinte de massa de modelar,
que mora o pau duro e firme com que meu homem me come.


ECLIPSES EM ESCORPIÃO

mudança
revolução

Eu estou trocando de pele
e isso não é uma metáfora

Feito cobra nas vigas de outra casa
feito um feto quebrando cromossomos

Eu sou de outra galáxia
sou invenção de passarinhos
eu não existo exatamente
eu estou de onda com a sua cara

Eu sou exuberante
eu sou exagerada
sou a morena peituda
com que você sempre sonhou

Sou uma célula tronco
carne do umbigo
sou minha própria cura
drama discreto
lua em Leão

Eu não morro
eu vivo
eu sou a regeneração

Wifredo Lam

 Nu à la chaise - 1942

Mujer con pajara - 1955

viernes, 17 de julio de 2015

Eucanaã Ferraz




ESTA PLACA

Como se eu mesmo dissesse,
como se eu próprio afirmasse
(começa com eu, meu nome)
que sou o que me nomeia:
lugar de não ser ainda,
solo tão só prometido,
projeto de geografia
para depois de amanhã.
Meu nome não sou agora,
moro no mundo futuro.
Meu pai me deu esse nome
sem que eu pudesse fazê-lo.
Mal posso escrevê-lo certo
nos documentos que o pedem.
Não existo no meu nome,
coisa que vive sem mim.
Ele se diz sendo eu,
este nome que me afirma,
mas o que nele me aponta
é também o que me acusa
de eu não ser o que ele diz.
Queria viver sem nome,
ser o que sou: eu-ninguém.
Me chamarem — ei, você! —
e eu me reconheceria,
perfeitamente não sendo
senão uma coisa livre
do que jamais prometi.
Mas à cara está colada
(certas tintas não se apagam)
esta placa, este engano
à beira de mim-estrada.
Se terra, sou terra a terra,
o agora sem vaticínios
de um norte em que mel e leite
jorrassem fáceis, sem dor.
Só existo em chão estreito,
nuns versos de amor e morte,
palavras ditas no escuro,
fósforo, poço, você.
Sou o exilado do nome
que carrego, vice-versa,
sem ter nunca visto a pátria
que minto quando me digo
toda vez que respondo:
como é que você se chama?
Vou aos livros, não encontro.
Pergunto. Não está no atlas.
E o infinito infinito.
A terra estará cumprida
quando estiver concluída.
Então, morrerei ali,
sob ela, dentro dela,
sem ser eu, sem eu, não ser.

Do livro Escuta, Editora Companhia das Letras

lunes, 6 de julio de 2015

Cora Coralina

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.