lunes, 18 de abril de 2011

Régis Bonvicino

Para Darly

À maneira de Creeley


Nada para um homem sujo
só água numa cuba
sequer um olhar

mãos sujas
aroma de
amantes talvez

ou além
alguma coisa como areia
para esfregar

com os dez dedos e ter
ao cabo —
o corpo dessa mulher


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COM A BRUNA

(ela aos 8 anos)



Ao atravessar o parque

folhas sob os pés

pisando, em mim, o outono


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O QUARTO



o quarto

cheio de espelhos

partidos



os cacos

de vidro

apinhados no cérebro



l

perseguem sonhos

cortam

na hora do sexo



De Más companhias, 1987


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VARIAÇÕES



Casa de asa da noite

Que pode ser a morte

outro destempo ímóvel

marés da lua incógnitas

eco das ondas. Morta

a podre língua amante

e seus ramos de sombra

Até que se abra a porta



De Ossos de borboleta, 1996

domingo, 17 de abril de 2011

Beatriz Barata

Do livro "Caminho de volta" (2009)


CANÇÃO


Eu pinto com cores
as coisas que vejo.

Até mesmo as dores
eu pinto com cores.

E assim vou pintando
deserto e desejo.

Vivendo e amando
o que sinto e o que vejo.

Priscila Lopes

Do livro "Uns traços,todos imponderáveis" (2010)


Anotações

Três


Comprei um gato pra me fazer companhia. Ele não me esquenta a noite.
Ele não vem quando eu chamo. Ele não se apega a mim nem sequer à minha
casa - já tive que ir buscá-lo duas vezes na vizinha. Era melhor ter
ficado com o outro. Menos peludo.


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Mais umas de amor


Quando me dou conta, lá estou, contemplando paredes brancas.


Só não recorri à auto-ajuda porque entender é pesado demais. Já me basta
acreditar que tudo existe.


Tenho ainda dois desejos. Um deles é que você me tire daqui. O outro muitas
vezes esqueço.

Elvé Monteiro de Castro

Do livro "Pele & Papel" (2007)


Berreiro


Meus poemas, eu canto.
Canto, falo e grito.
A hacanéia nitre
e o anho é que bale.

Meu poema eu berro,
urro. E perco a voz.
Nada, nada existe ou faz
com que eu me cale.


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Magia


Seus cabelos são fios de seda, macios,
e seus olhos, vermelhos e verdes de fogo,
e sua pele, relva de pelos cor de pêssego,
e os seios? ah, os seios - pomos de ouro puro.

Minha amada é uma deusa vestida de nada
e um véu de renda branca, que baila no vento.
Esse amor eu procuro. Se não acho, invento.

Lília Diniz

Do livro "Miolo de pote da cacimba de beber" (2006)


Descuido de poeta
aos Ipês Amarelos


Por razão de encantamento
de hoje em diante
meu sorriso será
doidamente amarelo
como as flores de agosto
que hipnotizam
irradiando versos luminosos
ofuscando os que ignoram
a poesia incandescente
e arrebatam
as almas descuidadas


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Cantiga de ninar
"luar, luar pega essa menina
e me ajuda a criar"


Elevada em
apelos poéticos
ao céu da tua cabeça
fui entregue à
deusa das
noites sertanejas

Wilson Guanais

Do livro "Longe Assim..." (2008)


DEDICATÓRIA


ao leitor
a carne
do poema
ao não-leitor
os ossos
do ofício.


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PROJETO


um dia
eu quebro
o inquebrável

: a casca
do indizível.

Wilson Gorj

Do livro "Prometo ser Breve" (2010)


FRUTO SECO


Sacudo meu dia
para que caia poesia.
Nada cai. Não tem fruto.
Só este tédio absoluto
sobre a tarde vazia.


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LIVRO BOM


É uma viagem só de ida.
Nunca nos devolve ao ponto de partida.

viernes, 8 de abril de 2011

Djavan

Cora Coralina

Das pedras


Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.

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Aninha e suas pedras


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.